Por: Marcos Barbosa
Mulher, você vai gostar:
Tô levando uns amigos pra conversar.
Eles vão com uma fome
Que nem me contem;
Eles vão com uma sede de anteontem…
Nem bem o dia amanhece o panelão já vai para o fogo. Os convidados são sempre muitos e a comida deve ser farta. O movimento na cozinha é intenso. Até o meio-dia tudo deve estar pronto. É dia de comemoração, de confraternização. Oportunidade perfeita para festejar que o final de semana chegou. Hoje é sábado, dia internacional da feijoada.
O ingrediente principal tem o nome artístico de “feijão preto”, mas foi batizado mesmo como “Phaselous vulgaris”. Nome estranho, né? Seja lá como for, fato é que caiu no gosto popular e já se vão muitos anos da presença desse alimento no nosso dia-a-dia. A versão francesa é chamada de “cassoulet”, a espanhola de “fabada” e a árabe de “fassulha”, cada qual com a sua variação típica. Até os portugueses tinham a sua feijoada. Mas como a nossa – a feijoada brasileira – nenhuma é.
Primeiramente leva-se ao fogo uma boa quantidade de água e acrescenta-se a ela o feijão preto cru, que deve ser de boa qualidade. Na cozinha, o resultado das preparações é sempre creditado à qualidade dos insumos. Nada de colocar o feijão de molho previamente. Isso ajuda a manter os grãos mais inteiros e firmes. Rico em ferro, carboidrato, potássio e ácido fólico, o feijão ajuda a diminuir problemas cardíacos, combate a hipertensão arterial, doenças da pele, anemia e prisão de ventre. E dizem até que serve para tratar de problemas ginecológicos. Disso eu não tenho certeza. Mas que restitui as forças de qualquer um, isso lá é verdade.
A importância dele vem de longe. Na Grécia Antiga e no Império Romano ele era tão valorizado que até nas votações era usado. Um caroço de feijão branco equivalia a um “SIM”, o de feijão preto a um “NÃO”. E no Japão, até hoje os grãos são espalhados pela casa na chegada da primavera, que ocorre em fevereiro, para espantar os demônios e maus espíritos.
Junto com o feijão cru coloca-se o pé, o rabo e a orelha de porco. São os ingredientes que mais demoram a cozinhar. Reza a lenda que a feijoada é herança dos povos africanos que aqui chegaram escravizados. Os senhores de engenho comiam as carnes nobres do porco e o restante era liberado para a senzala. Mas isso fica só como lenda mesmo. Os escravos não tinham essa mordomia e o cardápio deles pouco variava. A base era um angu de farinha de mandioca ou de milho, às vezes um peixe acrescido de alguma variação de fruta ou legume existente nas propriedades onde trabalhavam. O feijão aparecia de vez em quando. Afinal de contas era preciso manter os trabalhadores fortes.
Com meia hora de cozimento é preciso preparar os temperos. Pode não parecer, mas eles fazem toda a diferença no final. Corte o bacon em cubos pequenos e frite no azeite até ficar bem sequinho. Reserve. No azeite restante refogue cebola e alho, acrescentando, juntamente com o bacon, ao feijão que segue cozinhando.
O feijão rodou o mundo até chegar a nós. Na verdade ele já era cultivado no México e no Peru há cerca de 7.000 anos. De lá, os conquistadores espanhóis levaram para a Europa. Por aqui, muitas variações dele chegaram pelas mãos dos navegadores portugueses. O prato denominado feijoada já era conhecido de nossos patrícios nas versões com feijão branco e vermelho. O formato que ele adquiriu por aqui certamente foi resultado da contribuição dos indígenas, dos africanos e do imigrante europeu configurando-se no que hoje chamamos de feijoada completa.
O feijão já tá perto de cozinhar e o caldo já começa a engrossar. Hora de colocarmos os ingredientes mais delicados: a carne seca e o lombinho em cubos de tamanho médio, a costelinha separada nas juntas, e o paio e as linguiças portuguesa e calabresa cortadas em rodelas. Daqui a pouco vai estar pronta.
O hábito de comer feijoada dizem que surgiu no Rio de Janeiro. É bem verdade que pelas bandas de lá é quase certo que se ache uma boa feijoada no primeiro boteco da esquina. Mas registros históricos dão conta de que por volta de 1833 ela já aparecia no cardápio do então famoso “Hotel Théatre” no Recife, com o nome de feijoada brasileira.
Agora ela já está quase pronta. Faltam os acompanhamentos. O arroz branco, símbolo da fartura, não pode faltar. A laranja, presente dos indianos ao mundo, vem cortada em rodelas e vai facilitar a digestão. Aliás, um farto prato de feijoada não é para os fracos. A couve deve ser fatiada bem fina e refogada com bacon. E pra finalizar a mesa, um bom prato de farofa, que faz parte do nosso cardápio desde os tempos coloniais.
A festa está quase pronta. O cheiro já se sente de longe e a casa está cheia. Pratos na mesa, música no ar. Um sambinha sempre cai bem. Prove a feijoada e dê o seu toque final. Uma boa dica seria acrescentar uma dose de cachaça pra aguçar o sabor. Mas todo cozinheiro que se preza tem o seu segredo pessoal. Capriche! Agora é só servir e esperar os elogios.
…salta a cerveja estupidamente
Gelada pr’um batalhão
E vamos botar água no feijão
(Chico Buarque de Holanda)